As meninas dos nossos olhos: Elizabeth

Will the circle, be unbroken?

Em um dia sem nada para fazer depois do trabalho, resolvi assistir a um filme no cinema. Não havia nada que realmente me interessasse então escolhi a melhor dentre as opções disponíveis: uma animação recém lançada, da qual não tinha ouvido falar. O ano era 2008. A animação era Wall-E.

Entrei no cinema sem expectativas, esperando apenas ver mais um filme interessante da Pixar mas saí do cinema encantado com aquele robozinho. Foi incrível a emoção que a empresa da Disney conseguiu passar com um personagem improvável (um compressor de lixo futurista) apenas com expressões, movimentos, ações. Hoje, considero o filme o melhor da Pixar e me apeguei tanto ao robozinho que tenho action figures de Wall-E espalhados pela minha mesa.

Achei que dificilmente teria essa sensação novamente, principalmente agora já burro velho, mas felizmente estava enganado. Elizabeth apareceu.

Elizabeth – Bioshock Infinite

Evitei ao máximo o hype sobre Bioshock Infinite. Lembro de ter visto os vídeos na E3 de 2011 algumas imagens de divulgação mas foi só. Por isso, conhecia pouco da história e dos personagens e tinha visto Elizabeth apenas naquele sensacional gameplay na Conferência em Los Angeles. Por isso, comecei o jogo sem saber o que me esperava.

O destino já estava traçado desde o início do jogo: Traga a garota e sane sua dívida. Eu sabia o que buscava mas definitivamente não esperava o que encontrei. O percurso até a torre onde a menina está é relativamente curto e, ao chegar lá, descobrimos que Elizabeth é na verdade um experimento e é mantida numa espécie de cativeiro.

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Você vê Elizabeth através do vidro das diversas salas de observação e, através do cenário, consegue ter um primeiro contato com a personalidade da menina. Através do cenário também você descobre uma das paixões de Elizabeth: Paris. Ela tem quadros pintados, fotos da Torre Eiffel na parede e até usa seu poder de abrir “buracos temporais” para ver Paris de perto. Ao encontrar a garota e ver a expressão dela ao descobrir que você veio libertá-la daquele confinamento já dá uma boa pista dos anseios da personagem e da interpretação que ela terá daqui pra frente.

O trabalho de construção da personagem foi bastante minucioso. A equipe de Ken Levine, diretor criativo de Bioshock Infinte, queria que o jogador se sentisse envolvido na história e Elizabeth seria a peça chave para atingir esse objetivo, sendo a figura que traria uma ligação emocional com o jogador.

Aliás, o arco de desenvolvimento de Elizabeth é bastante interessante. Logo após ser libertada de seu cativeiro e ser apresentada ao mundo lá fora, vemos uma menina alegre e deslumbrada com as maravilhas fora dos livros. Elizabeth é curiosa e está sempre animada durante o primeiro terço do jogo. As atitudes da moça começam a mudar após embarcarem no dirigível First Lady’s e DeWitt tentar levá-la para Nova York ao invés de Paris. A partir daqui, Elizabeth adota uma postura mais séria passa a conversar com seu companheiro assuntos mais sérios como sua vida antes de Columbia, sua motivações e desejos. Porém, Elizabeth ainda continua com o mesmo objetivo (ir até Paris).

A última virada acontece após a segunda tentativa de fuga com o dirigível. Neste momento, Elizabeth adota uma personalidade diferente onde o objetivo agora é conhecer seu passado e porque Comstock, o fundador da cidade de Columbia, a mantinha presa. As ações e conversas tornam-se bem mais sérios, com Elizabeth descobrindo e se acostumando com seus poderes, culminando na cena final quando ela finalmente descobre toda a verdade.

Para atender à personalidade construída para a menina, a equipe precisava encontrar uma voz que transmitisse ao mesmo tempo serenidade e convicção. É por isso que Courtnee Draper se encaixou tão bem no papel. Além de possuir uma excelente voz, Courtnee consegue expressar toda a emoção que cada cena exige. Vejam só esse vídeo com uma gravações para o jogo:

Courtnee é uma americana de 28 anos que fez algumas participações em alguns filmes e seriados americanos. Ela teve uma leve aparição em um episódio de um dos meus seriados favoritos, Buffy: A Caça Vampiros (podem me julgar).

Porém não foi só a voz de Elizabeth que impressionou os jogadores. Durante todo o jogo, ela te segue para todos os lugares e interage com muitos itens dos cenários, geralmente agindo de um jeito que transmite o que ela está sentindo no momento.

Em uma das minhas cenas preferidas, logo quando libertamos ela do Syphon e estamos indo em direção ao First Lady’s Aerodrome, chegamos em Battleship Bay, a praia de Columbia. Ela some de vista e você deve encontrá-la. Como música é uma das paixões de Liz, não é difícil encontrá-la em um deck onde pessoas estão cantando e dançando. A felicidade expressada por Elizabeth é instigante, ainda mais se lembrarmos que ela nunca teve sequer contato com outras pessoas fora do Syphon. Ela está feliz, encantada e toda essa emoção é passada pra você. É lindo, eu não consigo explicar direito. Assista a cena e entenda o que estou falando:

No momento do jogo em que chegamos em Hall of Heroes, por exemplo, Elizabeth está triste pois acabou de saber que DeWitt não liga pra ela, ele só quer completar o trabalho para o qual foi contratado. Enquanto você anda pelo cenário, você vê Elizabeth caminhando entre barris com bandeiras e foguetes e mexendo nas coisas meio desanimada, ou encostando na parede com a cabeça baixa esperando você prosseguir.

Mas a minha cena preferida de todo o jogo é um pequeno eastern egg quando descemos ao “subsolo” de Columbia, uma espécie de gueto da cidade flutuante. Nessa parte podemos entrar em um bar, The Graveyard Shift (aliás, um detalhe interessante: na rádio está tocando Tainted Love) e descer até uma espécie de depósito. Até ai, nada demais. Eis que percebo num canto, encostado numa cadeira, um violão. Imediatamente fui até ele pra ver que interação rolaria. Eu queria só uma frase boba, tipo “quanto tempo não encosto num desses”, mas ai o jogo me dá isso:

Como bônus, assista ao ensaio com Courtnee e Troy Baker: http://www.youtube.com/watch?v=qpr6W3lAeaQ

Tudo isso só foi possível devido à ótima atuação da atriz Heater Gordon, que realizou o Motion Capture (mocap pros íntimos) da personagem. Ela nunca havia trabalhado na área de games e muito menos feito um mocap então o desafio seria ainda maior. “Elizabeth faz diversos movimentos que provavelmente eu não vou fazer no meu dia-a-dia como chutar algumas bundas ou bater em alguém com um livro. Eu comecei a pensar que aquela era minha voz e comecei a me conectar fisicamente com ela.”, disse em entrevista à IGN.

Todos esses aspectos são atingidos com uma inteligência artificial muito boa, talvez uma das melhores até agora em jogos (mesmo até do que a de The Last of Us). Esse aspecto foi muito bem cuidado pela equipe de Ken Levine, que achava que se Elizabeth agisse em determinadas situações de maneira muito diferente do que um ser humano reagiria, levaria o jogador a pensar “ei, isso é um jogo de videogame. Não preciso me importar muito com ela.” . Esse pensamento foi o que levou à equipe a tratar o comportamento de Liz no jogo com tanto esmero, resultando num trabalho incrível.

A controvérsia das aparências

Quem viu os primeiros trailers da E3 e depois jogou Bioshock Infinite reparou que não só o jogo em si mudou muito mas também a própria Elizabeth. Nas primeiras imagens ela tinha um visual mais dark, bastante diferente da aparência serena do jogo final. Na realidade, a aparência mudou três vezes.

No primeiro teaser do jogo, Elizabeth tinha um rosto levemente oriental até que uma russa chamada Anna Moleva postou fotos de um cosplay que ela havia feito da personagem. O resultado foi tão incrível que Ken Levine convidou a moça para ser o rosto da personagem. A partir daí, todas as novas imagens e vídeos levaram o novo rosto de Elizabeth mas o visual ainda era meio dark, com um aspecto fechado. Somente na versão final do jogo é que o semblante foi mais amenizado.

Da esquerda para a direita: A primeira versão, o cosplay de Anna Moleva, o novo visual e a versão final no jogo.

Da esquerda para a direita: A primeira versão, o cosplay de Anna Moleva, o novo visual e a versão final no jogo.

Além da questão da aparência, a própria personagem parece ter sido alterada na versão final do jogo em relação ao que foi mostrado no trailer. Neles, Elizabeth possuia poderes bem diferentes, como a habilidade de criar tempestades de raios, e parecia interagir muito mais com o personagem principal durante os combates. Na versão final, a participação dela se resume a fornecer alguns itens, como já citei.

Entretanto, a Irrational conseguiu encaixar essa mudança dentro do plot do jogo, colocando na cena final um eastern egg onde a antiga Elizabeth aparece no fundo da cena, dando a entender que ela existe em algum dos universos paralelos.

As Elizabeths dos mundos paralelos.

As Elizabeths dos mundos paralelos.

Elizabeth é uma das melhores personagens da história dos videogames até o momento. Algumas pessoas acham que a Ellie, de The Last of Us e personagem do nosso próximo capítulo, é ainda melhor que Elizabeth. Eu concordo mas Elizabeth me conquistou de um jeito que nenhum outro personagem de videogame tinha feito até então. Descobrir uma personalidade tão encantadora a ponto de buscar tudo sobre ela foi uma experiência diferente e bastante marcante na minha longa vida com os videogames.

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