O jogo é difícil e você não vai chegar ao final, aceite.

Tenho jogado bastante Cuphead, o tão aguardado jogo exclusivo em consoles para Xbox One que vem sendo prometido desde 2014 quando apareceu pela primeira vez na Conferência da Microsoft na E3. O jogo é incrivelmente bonito, simulando a arte dos desenhos da década de 1930 como Betty Boop, Mickey e tantos outros. Porém, o aspecto que mais tem chamado a atenção é a dificuldade elevada da criação do Studio MDHR. O nível de destreza necessário para simplesmente passar dos diversos chefes do jogo têm levantado interessantes discussões internet afora, que vão desde a necessidade do elevado nível de dificuldade até o questionamento se não teríamos ficado mal acostumados com jogos fáceis demais ou que nos pegam pela mão.

Além disso, como nem todos os jogadores possuem a habilidade necessária para passar por todos os desafios do jogo, tem-se discutido se os desenvolvedores deveriam restringir o acesso ao conteúdo do jogo atrás de uma barreira de dificuldade, impedindo que quem o compre aproveite todo o universo criado.

Muitos pontos estão sendo levantados na internet mas será que os jogos realmente ficaram mais fáceis ao longo das gerações? Tudo indica que sim mas com um porém.

Todo mundo que gosta de videogames conhece muito bem que existem aqueles que consideramos fáceis ou difíceis. Muitos deles nos dão a sensação de dificuldade apenas por nossas preferências, influenciada seja pela exigência mecânica do próprio gênero (adventures são geralmente mais fáceis mecanicamente do que plataformers), seja pelo nível de engajamento exigido para o jogador (beat’n-ups são bem menos exigentes que RPGs japoneses, por exemplo). Independente do nível de desafio do jogo, essa barreira inicial deve ser vencida para que você possa aproveitar a experiência que a ampla gama de estilos de jogos nos oferecem.

Mesmo que gostemos de um determinado gênero, seu nível de dificuldade pode levar o mais engajado jogador a querer abandoná-lo, principalmente quando a dificuldade é artificial, oriunda de um design ou jogabilidade ruim ou por pura maldade do desenvolvedor (ou do dono do bar). Voltando à época dos arcades, todo game designer daquela época falará abertamente que os jogos eram criados de tal forma que comesse a maior quantidade de fichas possíveis mas ser tão frustrante a ponto de fazer o jogador desistir após o primeiro game over.

Tendo essa filosofia como única referência do que era um jogo, nas primeiras gerações de consoles caseiros os game designers criavam seus games com o maior nível de dificuldade possível. Essa decisão de design se dava também pela limitação do hardware da época. O nintendinho (NES), por exemplo, lá em 1983, tinha uma paleta de cores de 52 tons e 2kb de RAM e seus jogos tinham que caber cartuchos com capacidade de 512kb. Por isso, era necessário adicionar camadas de dificuldades para que você, pequeno mancebo, pudesse se divertir por dias em um jogo que provavelmente durava algumas poucas horas. Super Mario 3 tem pouco mais de 5 horas de jogo mas você provavelmente morreu algumas dezenas centenas de vezes naquela fase do navio. Muito dessa dificuldade artificial também era inserida no jogo porque ao terminá-lo você receberia como recompensa basicamente isto:

Provavelmente a fase com maior tempo gasto em videogames na minha vida

De lá até aqui, os jogos evoluíram bastante em termos acessibilidade para os jogadores. A curva de dificuldade diminuiu de modo geral com pequenas mudanças de design que possibilitaram a jogadores menos hardcore ou com menos tempo a aproveitar melhor os jogos. Alguns conceitos básicos como quantidade de vidas, hitpoints e códigos de fase (lembram das keys de Megaman?) foram sendo substituídos por barras de vida que se regeneram com o tempo e checkpoints frequentes, o que pelos mais puritanos era considerado facilitar o jogo e por outros significava melhor qualidade de vida.

Especialmente na geração passada, onde os videogames se estabeleceram como uma fonte de entretenimento tão aceita (e grande) quanto cinema e música, o nível de dificuldade geral deu uma guinada descendente, uma vez que as publishers não poderiam afastar um potencial novo público que estava começando a se interessar por jogos eletrônicos com desafios além da capacidade, paciência ou tempo disponíveis para essa nova galera.

Um dos exemplos que são utilizados de forma recorrente é o do excelente jogo Prince of Persia, lançado em 2008 para  Xbox 360, PS3 e PC. Como bom jogo de plataforma, um dos desafios é escalar os muros, pedras e outras estruturas e, como é costumeiro, errar e cair faz parte do desafio. Porém aqui, sempre que errar um salto, você não será punido com a morte, sendo salvo por sua companheira Elika todas as vezes. Essa pequena sensação de que você não é punido é o suficiente para que todo o jogo seja visto como fácil, o que é estranho porque se você simplesmente morresse e volta-se ao último checkpoint, o jogador teria exatamente a mesma consequência do que a implementada: escalar outra vez.

O exemplo acima deixa explícito uma opção de design para diminuir o nível de dificuldade e de frustração que foi amplamente adotada na indústria nas gerações passadas. Porém algumas delas não fazem uso de mecânicas dentro do jogo para auxiliar a jornada, e preferem adotar soluções mais dinâmicas ao implementar mudança de dificuldade baseada no desempenho do jogador. Algumas dessas soluções são ruins e inspiram a ira dos jogadores como em God of War 3 onde, após morrer diversas vezes, o jogo de apresenta uma singela tela mostrando o quão incompetente você é:

Deseja alterar para o modo fácil?

Traduzindo: você é ruim, muda para o fácil que você consegue, champs!

Jogos de luta sempre foram especialmente difíceis para alguns jogadores, mesmo podendo selecionar o nível de dificuldade em que será jogado. O nível padrão (geralmente o normal) é tido como a experiência média para os jogadores mas, pensando em tornar a experiência menos frustante para os que estão melhorando, as desenvolvedoras implementam soluções sutis e inteligentes para melhorar a sessão de jogo. A NetherRealm é especialmente boa nesse quesito, já que aplica o conceito em todos os seus jogos de luta, em especial Mortal Kombat X Injustice. Neles, o nível de dificuldade da AI nos modos single player varia de acordo com o estilo de luta, combos executados e vida perdida em luta. Mesmo podendo definir o nível do jogo, a engine se ajusta automaticamente para dar ao jogador a sensação de que as lutas estão ficando mais difíceis a medida que você progride, evitando que ele se fruste por estar fácil demais.

Left 4 Dead, da Valve, é outro jogo que implementa mudanças de dificuldade de forma dinâmica e sutil. À época do lançamento do jogo, os desenvolvedores falavam abertamente de seu sistema de inteligência artificial, nomeado de AI Director. O principal objetivo desse sistema era balancear a dificuldade do jogo a partir do andamento da sessão e o desempenho individual de cada jogador. A quantidade de zumbis especiais, como Boomers ou Hunters, variava de acordo com o quão bem o grupo estava indo, mobs de zumbis passavam a focar em jogadores com mais vida ou que tivessem recebido menos dano, itens de cura eram menos ou mais frequentes.

Olhando sob essa perspectiva, é possível avaliar que as desenvolvedoras sempre pensaram em balancear seus jogos em um nível de dificuldade aceitável para os jogadores. Olhando mais afundo, todos os jogos possuem níveis de dificuldade que podem ser definidas pelo próprio jogador, tornando sua experiência mais ou menos “confortável”. Desde Doom isso é possível, veja a imagem de abertura desse post. Mas, apesar disso, ainda era evidente a quantidade de atalhos de design que os jogos tinham para facilitá-los ao máximo para o maior público possível ao longo da geração passada. Jogos mais complicados eram um nicho e raramente ganhavam algum destaque.

O fato é que na geração atual a preferência pela criação de jogos mais fáceis têm diminuído, seja porquê os desenvolvedores entendem que jogos fáceis demais espantam seu público mais tradicional, seja porquê entendem que o público que angariaram nas gerações anteriores já está mais maduro. Prova disso é a explosão de jogos como Dark Souls, que trouxe uma nova forma de desafio mecânico aos jogos, onde a dificuldade está em aprender as mecânicas: não é o jogo que te deixa mais forte, você aprendeu a jogar melhor, basta buscar as dezenas de vídeos de jogadores passando por todo o jogo sem subir de nível.

Essa progressão de dificuldade ligada à experiencia do jogador faz parte do conceito mais básico de tantos outros jogos, inclusive da geração passada, onde o erro serve para que o jogador aprenda cada vez mais a como se virar naquele universo, vide Super Meat BoyLimbo, dois jogos completamente opostos em relação ao gênero mas que abusam da mecânica de tentativa e erro como chave para finalizar o jogo.

O gênero rogue like também se beneficiou dessa onda de dificuldade nos jogos, abusando da premissa do gênero onde o que vale é cada jogada individual e não o progresso como um todo. Experimente jogar o excelente Rogue Legacy para sentir na pele como que cada sessão pode ser insanamente difícil dependendo das habilidades iniciais do seu personagem.

No fim, Cuphead se aproveita de todo esse histórico obtido da época dos arcades aliada à modernidade da jogabilidade atual. Ele utiliza um aspecto muito interessante do seu design para fazer esse ajustes de dificuldade de forma bastante sutil. Se você já jogou, percebeu que os chefes não possuem uma barra de vida explícita. A única maneira de avaliar seu progresso é na tela de retry caso você morra. O jogador pode escolher o nível de dificuldade no qual deseja enfrentar o chefe mas os diversos estágios da luta, os tipos de ataque e outros aspectos variam de acordo com o quão fácil ou difícil está sendo aquela parte para o jogador.

Basicamente, se você passar muito rápido pelo primeiro estágio do chefe e morrer no seguinte, o jogo vai tornar essa primeira parte mais curta e estender o desafio da próxima. Em alguns casos, o número de estágios do chefe é até encurtado para facilitar a vida do (a essa altura já estressado) jogador.

Ajuste na dificuldade de Cuphead

A dificuldade é ajustada de acordo com seu desempenho

Percebemos que houve uma curva de dificuldade nos jogos nas últimas gerações mas os desenvolvedores sempre tentaram ajustar o nível de desafio do jogo em função de suas visões para aquele produto. No fim, acho que ficamos mal acostumados com as facilidades colocadas pelos desenvolvedores na última geração, o que acaba evidenciando jogos onde habilidade exigida para se ter êxito é um pouco fora da curva.

A princípio, esse texto seria para fomentar a discussão sobre a real treta que está rolando na internet a respeito da dificuldade dos jogos mas ele acabou ficando muito extenso, principalmente porque eu precisava mostrar como que nós, como jogadores, temos lidado com o nível de desafio dos jogos desde as gerações passadas.

Aguardem o próximo texto mas já adianto que o assunto está totalmente ligado com o título deste post.

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